Era uma vez um tempo e um lugar onde a igreja estava vazia, estava vazia e estava vazia ... Por isso um contemporâneo empreendedor vendeu a ideia: "- Do jeito que está a igreja não vai pra frente. Vamos alugar a torre para colocar antena de celular, antena de televisão, antena de internet e câmera de vigilância". "- Sim", disse outro, "assim teremos comunicação, entretenimento, relacionamento e segurança". "E disso que as pessoas precisam e é isso que as pessoas procuram", ponderou um terceiro. E eis que a cruz - até então única na ponta da torre - passou a ter concorrência.
Acontece que a cruz não tem jogo de cintura e muito menos conhece concorrência. Por isso ela largou em desvantagem. No quesito comunicação, a antena do celular saiu na frente: comunicava com os de perto e de longe, onde quer que estivessem: fazendo compras no shopping, esquiando na neve, sonolento na poltrona ou obrando no banheiro. Enquanto isso, a cruz só contava com o sino que com seu sonido incomodava quem queria dormir. Um pouco mais abaixo estava o púlpito, bancada de monólogos intermináveis para os sonolentos dos bancos duros. No quesito entretenimento a cruz também ficava para trás. Enquanto a televisão interagia com o público promovendo encontro de dois pobres separados pela necessidade de migrar e arrepiando com a cena do artista que engolia espadas, a cruz não sabia o que pensar das quermesses sujando o pátio ao redor da igreja e tão trabalhosas para a parca liderança despojada. E o que dizer do relacionamento? Enquanto a internet atacava com redes e mais redes, comunidades e mais comunidades, todas dispostas a fazer a vontade do navegador, a cruz há tempo não ouvia mais o sino anunciando uma Bênção Matrimonial, os seus membros não chegavam mais a um acordo sobre a forma de contribuição e a visitação a doentes passava a ser entendida como tarefa de profissionais. Resta o quesito da segurança. A câmera no alto da torre era o irmão maior que não tirava o olho dos irmãos menores: "-Se você fizer, conto para o papai", ameaçava.
As histórias bíblicas - que carregam a Palavra de Deus - vem sendo mantidas por milhares e milhares de anos. Elas estão sempre aí, mas percebidas são especialmente quando as ondas acabaram de passar. É quase como a mãe que aguarda o filho também naqueles períodos em que ele ainda não está pensando em retornar. Mas se e quando retornar, ela terá algo a oferecer. Isto é comunicação. O calendário eclesiástico ou ano litúrgico contem a proposta de um exercício espiritual para o tempo inteiro. É o verdadeiro sentido de entretenimento: 'ter-se entre' pessoas dentro da comunidade. O ano litúrgico contem eventos a comemorar, passagens a recordar, temas a refletir, símbolos a curtir. A vida comunitária propõe relacionamento para pessoas crianças, jovens, adultas, idosas, mulheres, homens, casais, singulares, com deficiência, ... O filho que pediu a herança só voltou a ter segurança quando caiu no abraço do pai, recebeu o anel, calçou a sandália e participou da partilha do novilho cevado. Dali pra frente pouco significaram as incompreensões, as agressões, as quedas e os maus tratos da vida. Ele estava seguro.
Neste contexto está o profundo sentido do gesto de uma comunidade se unir ao redor da encenação do nascimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Trata-se de uma forma de segurar valores para depois da onda. Trata-se do pai que mantém o novilho cevado para a chegada do filho que está cuidando de porcos. Trata-se da nave que carrega, de século para século, um sentido para a comunicação, o entretenimento, o relacionamento e a segurança.
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