quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Quem é Comunidade

P. Ms. Leonídio Gaede

A pessoa que participa de reuniões na comunidade talvez já tenha tido essa experiência de ver alguém dando sua opinião e dizendo que isso precisa ser assim porque se trata de uma comunidade. Já outro participante dá uma opinião diferente, mas também diz que é por causa da comunidade. De repente uma terceira pessoa quer saber o que, afinal de contas, é ‘comunidade’.
Não é fácil responder esta pergunta: Quem é, afinal, a comunidade? Quem forma a comunidade? Quais são as pessoas que são a comunidade?
Comecemos com uma explicação possível: COMUNIDADE SÃO AQUELAS PESSOAS QUE SE REÚNEM NOS CULTOS. Por isso a prédica começa com as palavras ”Prezada Comunidade”. Mas então não faz parte da comunidade quem não participa dos cultos? Muitas vezes as razões para não participar dos cultos são circunstanciais. Isto quer dizer que a pessoa não participa porque sempre aparece uma coisinha que atrapalha e não porque ela decidiu categoricamente que não vai participar. São poucas as pessoas que decidiram não participar por princípio. Por isso seria bastante arbitrário e subjetivo dizer que as pessoas que não estão no culto estão fora da comunidade. Muitas pessoas que não participam dos cultos regulares participam em ocasiões específicas como, por exemplo, em batismos, casamentos, enterros ou outras programações da comunidade.
Vamos então fazer uma segunda tentativa de responder a pergunta quem é a comunidade: A COMUNIDADE SÃO AQUELAS PESSOAS QUE ESTÃO NO FICHÁRIO, NA LISTA, NOS LIVROS DE REGISTROS DA PARÓQUIA. Neste sentido fariam parte da comunidade todas aquelas pessoas que um dia foram batizadas e não se desligaram da comunidade. Fazer delimitações deste tipo ou ter esse tipo de controle é algo muito importante e ajuda a administrar melhor a comunidade. No entanto, essas delimitações não bastam para definir quem é comunidade. Porque existem pessoas que simplesmente se “esqueceram” de se desligar da comunidade, mas no seu íntimo já não fazem mais parte dela. Também há pessoas que abandonaram a igreja, mas estão pensando em reingressar nela a qualquer momento. Como, então, se orientar por um fichário para dizer quem é a comunidade?
Assim sendo, vamos para a terceira tentativa de dizer quem é a comunidade. Será que A FÉ EM JESUS CRISTO É UM TRAÇO CARACTERÍSTICO QUE MOSTRA QUEM PERTENCE À COMUNIDADE? Embora seja muito importante na vida de uma pessoa quando finalmente ela dá um passo claro e decidido, que a compromete na fé, de forma alguma podemos excluir da comunidade aqueles que tropeçaram ou até caíram. Pois na parábola de Jesus, aquela uma ovelha que se desgarrou é mais importante do que todas as outras noventa e nove juntas, que estão a salvo no curral. Mas como vamos, então, traçar o limite entre os que estão fora e os que estão dentro, entre os que são comunidade e os que não são comunidade? Ou será que, do ponto de vista bíblico, nem é possível traçar uma divisa entre os que estão fora e os que estão dentro da comunidade?
Vamos tentar por outro lado. Se olharmos em dicionários para ver o que significa comunidade, vamos encontrar definições no sentido de que comunidade é aquilo que pertence a toda uma coletividade local, seja uma propriedade ou qualquer outro bem. Na sua origem, portanto, a palavra comunidade não se refere a pessoas, mas a algo que é comum a um grupo de pessoas.
E, pensando em comunidade cristã, o que seria isso que é comum a uma coletividade local? Comum a todas as pessoas, quando se trata de comunidade cristã, é aquilo que podemos entender como IGREJA. Tanto faz se pensamos na igreja feita de corações ou na igreja feita de tijolos. A igreja é comum a todos e dela ninguém pode se apoderar. O que transforma a igreja em comunidade tem a ver com o Senhor que morreu por todos no Gólgota e antes de morrer orou por todos “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem” (Lc 23.34). Onde a morte deste Senhor é proclamada e onde se comemora a sua ressurreição, ali ninguém pode ser excluído. Por isso é tão significativo quando os sinos da igreja convidam, ultrapassando com o seu som qualquer fronteira, cerca, muro e até parede, fazendo todas as pessoas lembrarem que existe igreja. O sino não é o vilão da poluição sonora na cidade. Pessoas que combatem o sino, reagem desta forma porque seu desamor à igreja é ferido cada vez que ele toca.
Talvez esta seja uma das tarefas mais importantes dos presbíteros: cuidar para que este significado público da igreja seja expresso, ganhe corpo na comunidade e que a Igreja seja assumida constantemente por toda a localidade e todo o povo, por causa do seu Senhor. Por isso devem ser rejeitados todos os esforços – por mais bem intencionados que sejam – de restringir o campo de atuação da igreja a um círculo de amigos, porque então deixaria de ser comum a todos.
Igreja de Jesus Cristo significa mais do que a comunidade que se encontra nos cultos, mais também que a comunidade dos batizados, mais do que a comunidade daquelas pessoas que creem, mais do que a soma daquelas pessoas que contribuem financeiramente.
Em primeiro plano está o próprio Jesus Cristo que se tornou comum a todos mediante sua vida, morte e ressurreição; que se torna comum a cada vez que celebramos a comunhão em seu corpo e sangue na Santa Ceia, dizendo que “nós, embora muitos, somos um só corpo”. E ele se torna comum quando chama todos a Si, dizendo: “Venham a mim todos os que estão cansados de carregar a suas cargas pesadas” (Mt 11.28).
Fazem parte da comunidade eclesiástica todas aquelas pessoas que atendem ao SEU chamado, inclusive aquelas que não hoje, mas talvez amanhã abram o seu ouvido e coração. Excluído só está aquela pessoa que se exclui a si mesma e se fecha em seu isolamento. Mas mesmo esta limitação não deve e não pode impedir uma comunidade de insistir em chamar e chamar, na medida em que ela mesma se abre ao chamado de Jesus Cristo.
Se uma comunidade não pretende transformar-se em uma seita de correligionários, mas quer persistir no seguimento do seu Senhor, que fazia refeições com coletores de impostos e pessoas de má fama, que levou a sério as dúvidas de Tomé e que tomou Pedro pela mão quando este estava afundando na água, então esta comunidade não deve ter limites excludentes. Pois, de repente, tais limites podem transformar-se em muros, dentro dos quais ela se enclausura a si própria.
Mas agir assim livremente sem determinar os contornos sobre quem é e quem não é comunidade não desvalorizará demais o chamado de Jesus Cristo? Se todos da sociedade têm acesso, então que sentido tem construir algo diferente da sociedade?
Jesus enviou seus discípulos ao mundo com uma missão: “Quando entrarem numa casa, digam: ‘Que a paz esteja nesta casa’. Se as pessoas daquela casa receberem vocês bem, que a saudação de paz fique com elas. Mas, se não os receberem bem, retirem a saudação” (Mt 10.12s). Os discípulos de Jesus não precisaram, portanto, temer que a paz de Deus se desvalorizasse a ponto de não valer mais nada, no momento em todas as casas fossem abençoadas com a paz de Deus. O ser humano não consegue sondar quem merece a paz de Deus e quem não merece.

Na paz de Deus reside, porém a capacidade de adesão e rejeição. Pode ser que alguém atenda ao chamado e novamente abra a sua porta, enquanto a casa ao lado permaneça bem trancada até que a geração seguinte reencontre a chave e abra a porta diante do chamado convidativo da paz de Deus. Onde de fato estão os limites de uma comunidade nós, como seres humanos que somos, não sabemos e nem precisamos saber. Somente Deus sabe onde começa e termina a comunidade. A comunidade somente deve fazer força para chamar e se deixar chamar para o discipulado de Cristo.
Tal chamado pode estar: (1) no badalar regular do sino, (2) em um boletim comunitário elaborado com carinho e entregue de casa em casa, (3) numa instituição diaconal, (4) em intercessões regulares, (5) em uma festa de congraçamento, (6) em tantas outras iniciativas, dependendo da criatividade do presbitério, que é o núcleo de onde parte qualquer chamado em nome de Cristo.
Assim podemos dizer: COMUNIDADE ECLESIÁSTICA É UM CHAMADO EM NOME DE JESUS, QUE QUER ATINGIR DE MUITAS FORMAS TODAS AS PESSOAS NUMA LOCALIDADE E AS QUER CONVIDAR A DAR GLÓRIAS A DEUS, REUNIR-SE NUM LOCAL PÚBLICO PARA O LOUVOR E ACEITAR SER ABENÇOADO COM A PAZ DE DEUS EM TODAS AS CASAS.
A tarefa dos presbíteros é então colaborar responsavelmente para que este chamado convidativo seja ouvido da forma mais clara possível, sobretudo entre os cansados e sobrecarregados, para que a comunidade atinja todas as pessoas que estiverem ao seu alcance. Qualquer organização da comunidade está a serviço desta tarefa dos presbíteros. Ninguém tem uma missão particular na comunidade.
Para terminar: E as pessoas que se desligaram da igreja? Muitas vezes são motivos circunstanciais que as levaram a fazer isso. É óbvio que também estes motivos merecem respeito. Mesmo assim uma comunidade não pode se omitir e deixar de convidar com o chamado de Jesus Cristo também essas pessoas, considerando que seu Batismo lhes é preservado, mesmo após seu desligamento da igreja.


(Baseado em MÖLLER, Cristian. (Re)construindo comunidade – cartas aos presbíteros.  São Leopoldo, Editora sinodal, 1995. Pág 21-24)

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