P. Ms. Leonídio
Gaede
A pessoa
que participa de reuniões na comunidade talvez já tenha tido essa experiência
de ver alguém dando sua opinião e dizendo que isso precisa ser assim porque se
trata de uma comunidade. Já outro participante dá uma opinião diferente, mas
também diz que é por causa da comunidade. De repente uma terceira pessoa quer
saber o que, afinal de contas, é ‘comunidade’.
Não é fácil
responder esta pergunta: Quem é, afinal, a comunidade? Quem forma a comunidade?
Quais são as pessoas que são a comunidade?
Comecemos
com uma explicação possível: COMUNIDADE SÃO AQUELAS PESSOAS QUE SE REÚNEM NOS
CULTOS. Por isso a prédica começa com as palavras ”Prezada Comunidade”. Mas
então não faz parte da comunidade quem não participa dos cultos? Muitas vezes
as razões para não participar dos cultos são circunstanciais. Isto quer dizer
que a pessoa não participa porque sempre aparece uma coisinha que atrapalha e
não porque ela decidiu categoricamente que não vai participar. São poucas as
pessoas que decidiram não participar por princípio. Por isso seria bastante
arbitrário e subjetivo dizer que as pessoas que não estão no culto estão fora
da comunidade. Muitas pessoas que não participam dos cultos regulares
participam em ocasiões específicas como, por exemplo, em batismos, casamentos,
enterros ou outras programações da comunidade.
Vamos então
fazer uma segunda tentativa de responder a pergunta quem é a comunidade: A COMUNIDADE SÃO AQUELAS PESSOAS QUE ESTÃO NO
FICHÁRIO, NA LISTA, NOS LIVROS DE REGISTROS DA PARÓQUIA. Neste sentido fariam
parte da comunidade todas aquelas pessoas que um dia foram batizadas e não se
desligaram da comunidade. Fazer delimitações deste tipo ou ter esse tipo de
controle é algo muito importante e ajuda a administrar melhor a comunidade. No
entanto, essas delimitações não bastam para definir quem é comunidade. Porque
existem pessoas que simplesmente se “esqueceram” de se desligar da comunidade,
mas no seu íntimo já não fazem mais parte dela. Também há pessoas que
abandonaram a igreja, mas estão pensando em reingressar nela a qualquer
momento. Como, então, se orientar por um fichário para dizer quem é a
comunidade?
Assim
sendo, vamos para a terceira tentativa de dizer quem é a comunidade. Será que A FÉ EM JESUS CRISTO É UM TRAÇO
CARACTERÍSTICO QUE MOSTRA QUEM PERTENCE À COMUNIDADE? Embora seja muito
importante na vida de uma pessoa quando finalmente ela dá um passo claro e
decidido, que a compromete na fé, de forma alguma podemos excluir da comunidade
aqueles que tropeçaram ou até caíram. Pois na parábola de Jesus, aquela uma
ovelha que se desgarrou é mais importante do que todas as outras noventa e nove
juntas, que estão a salvo no curral. Mas como vamos, então, traçar o limite
entre os que estão fora e os que estão dentro, entre os que são comunidade e os
que não são comunidade? Ou será que, do ponto de vista bíblico, nem é possível
traçar uma divisa entre os que estão fora e os que estão dentro da comunidade?
Vamos
tentar por outro lado. Se olharmos em dicionários para ver o que significa
comunidade, vamos encontrar definições no sentido de que comunidade é aquilo que pertence a toda uma coletividade local, seja
uma propriedade ou qualquer outro bem. Na sua origem, portanto, a palavra comunidade não se refere a pessoas, mas
a algo que é comum a um grupo de pessoas.
E, pensando
em comunidade cristã, o que seria isso que é comum a uma coletividade local?
Comum a todas as pessoas, quando se trata de comunidade cristã, é aquilo que
podemos entender como IGREJA. Tanto
faz se pensamos na igreja feita de corações ou na igreja feita de tijolos. A
igreja é comum a todos e dela ninguém pode se apoderar. O que transforma a
igreja em comunidade tem a ver com o Senhor que morreu por todos no Gólgota e
antes de morrer orou por todos “Pai, perdoa-lhes
porque não sabem o que fazem” (Lc 23.34). Onde a morte deste Senhor é
proclamada e onde se comemora a sua ressurreição, ali ninguém pode ser
excluído. Por isso é tão significativo quando os sinos da igreja convidam, ultrapassando com o seu som qualquer
fronteira, cerca, muro e até parede, fazendo todas as pessoas lembrarem que
existe igreja. O sino não é o vilão da
poluição sonora na cidade. Pessoas que combatem o sino, reagem desta forma
porque seu desamor à igreja é ferido cada vez que ele toca.
Talvez esta seja uma das tarefas mais
importantes dos presbíteros: cuidar para que este significado público da igreja
seja expresso, ganhe corpo na comunidade e que a Igreja seja assumida
constantemente por toda a localidade e todo o povo, por causa do seu Senhor.
Por isso devem ser rejeitados todos os esforços – por mais bem intencionados
que sejam – de restringir o campo de atuação da igreja a um círculo de amigos,
porque então deixaria de ser comum a todos.
Igreja de Jesus Cristo significa mais do que
a comunidade que se encontra nos cultos, mais também que a comunidade dos
batizados, mais do que a comunidade daquelas pessoas que creem, mais do que a
soma daquelas pessoas que contribuem financeiramente.
Em primeiro plano está o próprio Jesus Cristo
que se tornou comum a todos mediante sua vida, morte e ressurreição; que se
torna comum a cada vez que celebramos a comunhão em seu corpo e sangue na Santa
Ceia, dizendo que “nós, embora muitos, somos um só corpo”. E ele se torna comum
quando chama todos a Si, dizendo: “Venham
a mim todos os que estão
cansados de carregar a suas cargas pesadas” (Mt 11.28).
Fazem parte
da comunidade eclesiástica todas aquelas pessoas que atendem ao SEU chamado, inclusive aquelas que não
hoje, mas talvez amanhã abram o seu ouvido e coração. Excluído só está aquela
pessoa que se exclui a si mesma e se fecha em seu isolamento. Mas mesmo esta
limitação não deve e não pode
impedir uma comunidade de insistir em chamar e chamar, na medida em que ela
mesma se abre ao chamado de Jesus Cristo.
Se uma
comunidade não pretende transformar-se em uma seita de correligionários, mas
quer persistir no seguimento do seu Senhor, que fazia refeições com coletores
de impostos e pessoas de má fama, que levou a sério as dúvidas de Tomé e que tomou
Pedro pela mão quando este estava afundando na água, então esta comunidade não
deve ter limites excludentes. Pois, de repente, tais limites podem transformar-se em muros, dentro dos
quais ela se enclausura a si própria.
Mas agir
assim livremente sem determinar os contornos sobre quem é e quem não é
comunidade não desvalorizará demais o chamado de Jesus Cristo? Se todos da
sociedade têm acesso, então que sentido tem construir algo diferente da
sociedade?
Jesus
enviou seus discípulos ao mundo com uma missão: “Quando entrarem numa casa, digam: ‘Que a paz esteja nesta casa’. Se as
pessoas daquela casa receberem vocês bem, que a saudação de paz fique com elas.
Mas, se não os receberem bem, retirem a saudação” (Mt 10.12s). Os
discípulos de Jesus não precisaram, portanto, temer que a paz de Deus se
desvalorizasse a ponto de não valer mais nada, no momento em todas as casas fossem
abençoadas com a paz de Deus. O ser humano não consegue sondar quem merece a
paz de Deus e quem não merece.
Na paz de
Deus reside, porém a capacidade de adesão
e rejeição. Pode ser que alguém
atenda ao chamado e novamente abra a sua porta, enquanto a casa ao lado permaneça
bem trancada até que a geração seguinte reencontre a chave e abra a porta
diante do chamado convidativo da paz de Deus. Onde de fato estão os limites de
uma comunidade nós, como seres humanos que somos, não sabemos e nem precisamos
saber. Somente Deus sabe onde começa e termina a comunidade. A comunidade somente deve fazer força
para chamar e se deixar chamar para o discipulado de Cristo.
Tal chamado
pode estar: (1) no badalar regular do sino, (2) em um boletim comunitário
elaborado com carinho e entregue de casa em casa, (3) numa instituição
diaconal, (4) em intercessões regulares, (5) em uma festa de congraçamento, (6)
em tantas outras iniciativas, dependendo da criatividade do presbitério, que é
o núcleo de onde parte qualquer chamado em nome de Cristo.
Assim
podemos dizer: COMUNIDADE ECLESIÁSTICA É UM CHAMADO EM NOME DE JESUS, QUE QUER
ATINGIR DE MUITAS FORMAS TODAS AS PESSOAS NUMA LOCALIDADE E AS QUER CONVIDAR A
DAR GLÓRIAS A DEUS, REUNIR-SE NUM LOCAL PÚBLICO PARA O LOUVOR E ACEITAR SER
ABENÇOADO COM A PAZ DE DEUS EM TODAS AS CASAS.
A tarefa
dos presbíteros é então colaborar responsavelmente para que este chamado
convidativo seja ouvido da forma mais clara possível, sobretudo entre os
cansados e sobrecarregados, para que a comunidade atinja todas as pessoas que
estiverem ao seu alcance. Qualquer organização da comunidade está a serviço
desta tarefa dos presbíteros. Ninguém tem uma missão particular na comunidade.
Para
terminar: E as pessoas que se desligaram da igreja? Muitas vezes são motivos
circunstanciais que as levaram a fazer isso. É óbvio que também estes motivos merecem
respeito. Mesmo assim uma comunidade não pode se omitir e deixar de convidar
com o chamado de Jesus Cristo também essas pessoas, considerando que seu
Batismo lhes é preservado, mesmo após seu desligamento da igreja.
(Baseado em
MÖLLER, Cristian. (Re)construindo comunidade – cartas aos presbíteros. São Leopoldo, Editora sinodal, 1995. Pág
21-24)
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